EM EXCLUSIVA A ESQUINAS, O CRIADOR DA TURMA DA MÔNICA COMENTA SOBRE OS 60 ANOS DO GIBI E ESPECIALISTAS DISCUTEM A INFLUÊNCIA DOS QUADRINHOS NA ALFABETIZAÇÃO.
Há 60 anos, um grupo de amigos repleto de aventuras começava a ganhar identidade, a Turma da Mônica. Criada pelo cartunista brasileiro Mauricio de Sousa, a série de histórias em quadrinhos marcou a memória dos brasileiros, e hoje é uma das maiores produtoras de gibis e desenhos animados do Brasil. Destacamos as origens do projeto e impressões de profissionais do universo de quadrinhos com relação a influência da Turma da Mônica na alfabetização.
Em 1959, Mauricio de Sousa, analista do extinto jornal Folha da Manhã, entrou no mundo dos quadrinhos. Inspirado pela própria infância, criou seus primeiros personagens, Bidu e Franjinha, sendo o primeiro inspirado em seu cãozinho de estimação, Cuíca. Esses personagens ganharam destaque na revista infantil Zaz Traz, publicada pela Editora Outubro, no ano seguinte. Assim começou a trajetória que levaria o cartunista a conquistar sucesso e carinho de leitores ao longo dos anos.
A Turma da Mônica teve início em 1963, quando Mauricio decidiu criar uma personagem baseada em sua filha, Mônica, que na época tinha 2 anos, surgindo assim, a protagonista da turma e da marca. Na década de 1970, o escritor ganhou a oportunidade de compartilhar suas criações por meio de uma revista publicada pela editora Abril, intitulada de “Mônica e Sua Turma”. A revista contava com personagens já desenvolvidos nas tirinhas de jornal.
Hoje, o sucesso da marca é visível em qualquer espaço voltado à arte, as produções do escritor continuam nas lembranças dos mais velhos e no presente dos mais novos, independentemente do formato e da linguagem. Em exclusiva à ESQUINAS, Mauricio comenta sobre sua criação estar na vida dos brasileiros há décadas e de como a linguagem das produções é atemporal: “Antes recebíamos muitas cartas e respondíamos todas. Agora, com as redes sociais, continuamos conversando e dialogando com nossos leitores. Assim sabemos o que querem, o que gostam e o que não gostam”.
OS QUADRINHOS DE HOJE
Mesmo com as transformações do advento da internet, o gibi ainda ocupa um espaço do mundo geek e se mantém nas diferentes gerações. Jota Silvestre, repórter da revista Mundo dos Super-Heróis, comentou que a linguagem de quadrinhos vive de ciclos: “Teve um ‘boom’ na década de 80, depois uma queda em 90, voltando nos anos 2000, e agora estamos em um bom momento”.
Silvestre entende que houve uma transformação cultural.
“Ler quadrinhos na minha juventude era considerado algo de nerd. Hoje, vemos uma popularização e democratização da cultura pop, essa imagem do geek foi desfeita. Apesar da geração atual estar mais conectada com vídeos e filmes, ainda existe o interesse pelos quadrinhos, um exemplo são os mangás”.
Caco Galhardo cartunista da Folha de São Paulo, avalia que uma das principais consequências da transformação digital no mundo dos quadrinhos se dá pela migração ao Instagram: “Lembro de um período em que as tirinhas sumiram, não tinha uma plataforma legal. O Instagram se mostrou uma rede muito boa para o trabalho de humor gráfico. Nós, que fazemos desenhos de humor, estamos todos no Instagram, perdemos esse filtro do editor e da revista que publica”. Silvestre e Galhardo ressaltam que a Turma da Mônica é um gibi que atravessa gerações.
O repórter atribui esse sucesso a dois pontos centrais: o conteúdo das histórias e o trabalho empresarial de Mauricio de Sousa. Em relação aos temas dos gibis, Jota destaca que a história da Turma da Mônica poderia ocorrer em qualquer lugar, pois aborda os conceitos universais de amizade. Já na figura do Mauricio empresário, Silvestre destaca a divisão de tempo em que o cartunista escolheu seguir, 50% para criação de projetos e outros 50% para crescimento da marca, fazendo com que o sucesso de seu trabalho aparecesse mais rápido, visão de negócio que muitos quadrinistas não tem.
Galhardo acrescenta que essa visibilidade rápida se deve a um trabalho de qualidade: “A Turma da Mônica é a Disney do Brasil, tem o nosso DNA, a nossa infância, a relação com os amigos e pais. É a criação de um brasileiro que nos representa”.
DIVERSIDADE EM A TURMA DA MÔNICA
Ainda com relação a pluralidade linguística e cultural da Turma da Mônica, e sua crescente percepção sobre a importância da diversidade populacional nos personagens, Galhardo pontua.
“O Maurício começou a incluir diferentes personagens em uma época em que essas preocupações não eram tão latentes”. O cartunista avalia que a criação dos personagens foi sempre muito assertiva, ficando claro que a Turma da Mônica entendeu a necessidade e demonstrou preocupação em acompanhar o tempo.
Para Silvestre, Maurício soube se atualizar, e não só do ponto de vista tecnológico. Jota enxerga a Turma da Mônica Jovem como um desses marcos, no sentido de que atende aos interesses do adolescente. O repórter destaca que a Mauricio de Sousa Produções (MSP) está acompanhando as demandas da sociedade, explicitamente observado pela inclusão de personagens que pautam temas sociais de forma orgânica.
Virgínia Tatarunas, coordenadora da escola Proben (Projeto Bebê Natureza), ressalta que a Turma da Mônica, em específico, é muito valorizada na educação infantil por conta da diversidade de seus personagens. Tatarunas destaca que, mesmo com 60 anos dos gibis, ainda têm crianças que pedem por festas de aniversário com o tema da Turma da Mônica, evidenciando a influência na esfera infantil.
Mauricio de Sousa comenta sobre a visibilidade dos personagens na Turma da Mônica.
“Procuramos ter personagens que se conectem com as crianças deficientes. Criamos o André que é autista, o Luca, que é cadeirante; a Dorinha, que é deficiente visual; a Sueli, que é surda; a Tati, que tem Síndrome de Down entre outros. Elas precisam ser representadas e vistas. As crianças que convivem com amigos que possuem alguma deficiência devem ser informadas dessas diferenças, para que respeitem e acolham com carinho.”
ALFABETIZAÇÃO BRASILEIRA E GIBIS
Os gibis podem ser considerados uma ferramenta de alfabetização. Com diálogos simples e divertidos, os quadrinhos proporcionam um aprendizado lúdico, que ajuda e desenvolve a compreensão do texto, o raciocínio lógico e a capacidade de interpretação. A Turma da Mônica é um dos exemplos. Jota Silvestre relembra como ocorreu sua aproximação com os gibis mesmo sem saber ler: “Eu lembro de ler quadrinhos antes de ser alfabetizado, entendia pelas imagens. Quando comecei a estudar inglês, meu professor deu a dica de usarmos histórias em quadrinhos para entender melhor a língua estrangeira, porque a imagem ajuda na compreensão do texto”.
Tatarunas comentou sobre a estrutura dos gibis: “Os gibis são portadores textuais por possuírem um formato que antecede o poder da leitura. É uma estrutura fragmentada, onde se criam narrativas em cima de imagens, tendo um peso no processo da alfabetização”.
A coordenadora também destacou que os diferentes fonemas nos nomes dos personagens são importantes na educação infantil.
“Os nomes dos personagens são importantes. Todos eles têm diferenças de fonemas que colaboram para que as crianças construam outras palavras. Na Turma da Mônica, personagens como Anjinho, Cascão e Cebolinha, apresentam pronúncias que são difíceis de terem nomes. Quando se aproxima do som, as crianças produzem para construir outra palavra, isso se torna uma fonte de pesquisa. Para os educadores, é essencial.”
O processo de alfabetização pode ser confuso. Tatarunas destaca que a estrutura dos quadrinhos facilita no aprendizado: “O gibi é o único portador textual em que as palavras são escritas com o uso da letra bastão, auxiliando nas tentativas de leitura”.
Maurício se diz realizado quanto a influência de sua arte na vida de milhões de brasileiros e compartilha um episódio de sua infância no processo de alfabetização.
“A minha medalha no peito é saber que nossas histórias alfabetizaram e estimularam a leitura das crianças. Isso aconteceu comigo, quando tinha quatro ou cinco anos, levei para minha casa uma revista velha que achei na calçada. Adorei os desenhos e pedi para meus pais lerem para mim. Eles começaram a me trazer mais gibis, até que minha mãe resolveu me ensinar a ler. Depois disso, não parei mais. É a mágica dos quadrinhos.”
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Fonte: Revista Esquinas